Congresso derruba vetos e afrouxa licenciamento ambiental: o que muda para quem trabalha no campo

O Congresso Nacional derrubou 56 dos 63 vetos presidenciais ao pacote de mudanças conhecido como “PL da Devastação”, em votação realizada nesta quinta-feira (27). Na Câmara, o placar foi de 295 a 167 pela derrubada, e o Senado confirmou o resultado. As alterações reduzem exigências de licenciamento ambiental para segmentos do agronegócio e simplificam etapas para determinados empreendimentos. A medida foi criticada por pesquisadores e organizações socioambientais, que apontam risco de aumento do desmatamento. Para os trabalhadores e trabalhadoras do campo, o novo cenário pede atenção redobrada à segurança, à saúde ocupacional e à fiscalização.

O que muda no licenciamento e por que isso importa para o trabalho

O eixo central das mudanças é a flexibilização de exigências de licenciamento para atividades agropecuárias e obras de infraestrutura associadas. Em linhas gerais, a norma amplia hipóteses de simplificação, reduz a documentação necessária em casos específicos e pode acelerar a emissão de autorizações em determinadas circunstâncias. Também há espaço para processos eletrônicos mais céleres e para maior protagonismo de órgãos estaduais e municipais.

Na prática, parte dos projetos rurais poderá avançar com menos etapas formais de análise ambiental, conforme regras locais e enquadramentos técnicos. Isso tende a encurtar prazos e reduzir custos administrativos. Ao mesmo tempo, especialistas alertam que o controle preventivo de riscos — como contaminação de solos e águas, expansão de fronteira agrícola sobre áreas sensíveis e pressão sobre comunidades tradicionais — pode ficar mais dependente de fiscalização posterior. Essa mudança de ênfase, do controle prévio para o monitoramento a posteriori, tem efeitos diretos sobre as condições de trabalho em fazendas, silos, estradas vicinais e canteiros de obras rurais.

Impactos potenciais para a saúde e a segurança dos trabalhadores

Exposição a riscos ambientais

A redução de etapas de licenciamento pode significar menos exigências padronizadas de estudos preventivos em alguns casos, o que, segundo técnicos, dificulta antever riscos como uso intensivo de agrotóxicos, manejo inadequado de resíduos e assoreamento de cursos d’água. Para quem opera máquinas, aplica insumos ou atua em áreas recém-abertas, a probabilidade de contato com agentes nocivos pode aumentar se não houver gestão rigorosa de riscos por parte das empresas e proprietários.

Infraestrutura e logística rural

A aceleração de obras de apoio ao agronegócio — estradas, armazéns, pequenas barragens e estruturas de irrigação — tende a ampliar frentes de trabalho. Sem avaliações consistentes, podem surgir canteiros com sinalização precária, ausência de rotas de fuga, EPI insuficiente e falhas em planos de emergência. Trabalhadores terceirizados e temporários, comuns nesses projetos, podem ser os mais expostos quando a fiscalização é limitada.

Comunidades locais e trabalhadores sazonais

Em áreas de expansão agrícola, migrantes e trabalhadores sazonais costumam ocupar postos com alta rotatividade. Mudanças ambientais rápidas, como supressão de vegetação e alterações em bacias hidrográficas, afetam moradia, acesso à água e deslocamento diário. Sem planejamento ambiental robusto, esses fatores podem ampliar acidentes no trajeto e doenças relacionadas à água e ao calor extremo.

Direitos que permanecem e responsabilidades no chão de fábrica do campo

As mudanças no licenciamento não alteram direitos garantidos pela legislação trabalhista e pelas Normas Regulamentadoras (NRs). Empresas e empregadores rurais continuam obrigados a identificar perigos, avaliar riscos e adotar medidas de prevenção, com fornecimento de EPIs, treinamento contínuo, gestão de máquinas e proteção coletiva. O direito a um meio ambiente de trabalho seguro está assegurado e pode ser fiscalizado por auditorias do trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), independentemente do rito ambiental adotado.

Também permanecem válidas as competências de órgãos ambientais federais, estaduais e municipais para embargar atividades, aplicar multas e exigir medidas corretivas quando houver danos ou ameaça de dano. Trabalhadores podem acionar canais de denúncia, inclusive de forma anônima, quando identificarem contaminações, condições inseguras ou supressão irregular de vegetação afetando a saúde no trabalho.

Como sindicatos e empresas podem se preparar

Mapeamento de riscos e planos de resposta

Sindicatos rurais e comissões internas devem atualizar mapas de risco considerando a possibilidade de ampliação de frentes de trabalho sem estudos detalhados prévios. Planos de resposta a emergências, controle de poeiras e vapores, manejo de agrotóxicos e rotas de evacuação precisam ser testados e documentados. Em propriedades maiores, a criação de brigadas e a instalação de pontos de hidratação e sombreamento reduzem o adoecimento térmico.

Transparência com comunidades e trabalhadores

Empreendimentos que avancem com licenças simplificadas deveriam manter canais de informação acessíveis sobre impactos previstos, medidas de mitigação e calendários de obras e pulverizações. Reuniões periódicas com trabalhadores e vizinhança fortalecem a prevenção e reduzem conflitos. A inclusão de cláusulas específicas em acordos coletivos pode assegurar pausas térmicas, monitoramento de água e gestão de resíduos.

Fornecedores e cadeias de valor

Grandes compradores têm ampliado exigências socioambientais para homologar fornecedores. Mesmo com licenciamento mais simples, contratos podem demandar comprovação de conformidade trabalhista e ambiental, rastreabilidade e não sobreposição com áreas sensíveis. Essa pressão de mercado tende a premiar quem mantém boas práticas e documentação em dia.

O que observar nos próximos meses

Regulamentação e normas locais

Estados e municípios deverão ajustar procedimentos e sistemas digitais. Trabalhadores e empresas precisam acompanhar resoluções dos conselhos ambientais e instruções normativas que detalharão enquadramentos e critérios de dispensa ou simplificação.

Judicialização e interpretações

Parte das mudanças pode ser questionada no Judiciário. Decisões cautelares ou definitivas podem alterar prazos e exigências em regiões específicas. Manter assessoria técnica e jurídica atualizada ajuda a evitar interrupções e retrabalho.

Indicadores de campo

Acompanhamento de dados de desmatamento, queimadas, qualidade da água e acidentes de trabalho será essencial para avaliar efeitos reais das mudanças. A integração entre sindicatos, serviços de saúde e órgãos de fiscalização pode produzir alertas rápidos e orientar correções de rumo.

O novo arranjo de licenciamento busca acelerar atividades produtivas, mas a proteção da saúde e da vida no trabalho continua sendo obrigação legal e requisito de competitividade. Onde o controle prévio for menor, a responsabilidade diária no campo cresce. Investir em prevenção, diálogo e transparência tende a reduzir conflitos, acidentes e perdas, preservando a força de trabalho e os recursos naturais que sustentam a produção agrícola.

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